Aspectos específicos do atendimento a crianças e adolescentes em situação de exploração e tráfico para fins sexuais, sujeitos em situação de vulnerabilidade com direitos violados
Em primeiro lugar, é preciso considerar o fenômeno com o qual se está trabalhando.
Esse tema deve ser abordado a partir da perspectiva de esse fenômeno constituir uma violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, direitos que estão descritos na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): direito à saúde, à convivência familiar e comunitária, à cultura, à educação e ao desenvolvimento biopsicossocial, dentre outros.
A violência sexual é produto de relações sociais desiguais, onde a interação dos atores envolvidos se estabelece numa dinâmica em que o(a) autor(a) da agressão tem alguma condição de vantagem, seja física,emocional, econômica seja social, sobre a vítima.
A violência é a transformação dos diferentes em desiguais e dessa desigualdade em uma relação de poder: do mais forte sobre o mais fraco, do maior sobre o menor, do homem sobre a mulher, do
adulto sobre a criança.
Além disso, essa violência está configurada em um contexto multidimensionado, com aspectos relacionados à sociedade, à cultura, à economia e às características psico emocionais dos indivíduos
envolvidos.
Nesse contexto, é preciso considerar que os sujeitos submetidos a essa situação geralmente são pessoas afetadas por fatores de riscos que contribuem para o processo de sua vulnerabilização. Considera- se que esses fatores são eventos que, quando presentes, impactam negativamente sobre o sujeito, aumentando a probabilidade de a criança ou o adolescente apresentar dificuldades físicas, sociais e emocionais.
Separação dos pais, perda de entes queridos, acidentes e violência doméstica são exemplos de fatores de risco.
Esses fatores isoladamente não têm o poder de determinar a vivência de uma situação de violência,
mas, quando se apresentam de maneira associada, podem facilitar o processo de vulnerabilidade do sujeito.
Sendo assim, a exposição a fatores de risco durante a infância e a adolescência pode promover um processo de vulnerabilização, que dificulta que crianças e adolescentes tenham condição de se estruturar de forma a dar respostas adequadas a situações adversas, tornando-se mais suscetíveis à inserção em situações como a exploração sexual, como exemplo.
Nesse sentido, ao pensar no atendimento a crianças e adolescentes em situação de exploração sexual, deve-se considerar fundamental fazer o levantamento da história de vida, a partir da fala da pessoa
atendida, para avaliar o grau de vulnerabilidade e risco a que a criança e o adolescente está sujeita(o). Esse procedimento é muito importante para o planejamento da intervenção que indicará as etapas necessárias para a situação apresentada.
Além dos fatores de risco, é importante também fazer o levantamento dos chamados fatores de proteção.
Esses fatores referem-se aos aspectos que podem favorecer a resiliência. São recursos que auxiliam o sujeito a enfrentar as situações estressoras e conseguir bons resultados, e estão relacionados a:
1) características individuais, como autoestima
e competência social;
2) apoio afetivo transmitido por pessoas da
família ou da rede social – os vínculos positivos,
3) apoio social externo, representado por pessoas ou instituições da comunidade com quem o
sujeito pode contar – recursos materiais ou humanos que atuam como suporte ou fator de proteção social. O apoio profissional consistente,durante o atendimento, insere-se justamente nesse terceiro aspecto, e pode ser fundamental como fator de proteção.
Nesse contexto de vulnerabilização de crianças e adolescentes sujeitos especialmente à exploração sexual, dois aspectos centrais devem ser trabalhados no atendimento: a sexualidade e a estigmatização
relacionada à prática da prostituição .
Com relação à sexualidade, é importante considerar a vivência que a criança/o adolescente tem nessa área, quais os fatores de risco ede proteção. É fundamental trabalhar não só com a fala da vivência
sexual mas também com a forma como o corpo se apresenta e se relaciona com o mundo e as pessoas. O atendimento deve possibilitar a reflexão de que a violência sexual é violação da sexualidade, e que é possível vivenciar a sexualidade como um direito.
Em complementação a esse trabalho de fala, é necessário trabalhar o corpo na perspectiva
do projeto de vida em construção.
No tocante ao estigma da prostituição, a exploração sexual envolve crianças e adolescentes em cenas de comercialização das relações sexuais, geralmente com homens adultos, que lhes imprimem marca associada à figura da prostituta, o que interfere de maneira decisiva no processo de formação da identidade, especialmente por se tratar de sujeitos em desenvolvimento.
O atendimento deve possibilitar a reflexão sobre essa vivência e sobre como ela afeta a identidade do sujeito atendido.
A abordagem sobre identidade é fundamental, pois cada pessoa é constituída por uma identidade pessoal (a forma como ela se percebe) e por uma identidade social (aquilo que a sociedade lhe atribui a partir de sua inserção em determinada posição ou status social).
Crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência sexual, pelo fato de ainda se encontrar em processo de desenvolvimento, não conseguem distinguir bem a identidade pessoal da social. O exercício da sexualidade pautado pela violência poderá afetar diretamente a
construção dessa identidade.
A vivência de estigmatização permanente pode configurar um dos aspectos que possibilitam a manutenção da criança ou do adolescente na situação de exploração sexual por inviabilizar outras formas de inserção social.
Além disso, esse aspecto constitui uma das grandes dificuldades apresentadas no desenvolvimento de metodologias de atendimento psicossocial e, por isso mesmo, estas devem ser levadas em consideração no planejamento de qualquer ação voltada para esse público.
Atendimento aos autores de agressões sexuais:
A incorporação do atendimento aos autores de agressões sexuais se torna indispensável ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de violência sexual, principalmente pelo fato de todo o trabalho ter sido planejado considerando a centralidade na família, em especial por ser
esse um direito da criança ou do adolescente violado.
Nesse sentido, os laudos endereçados ao sistema de Justiça ou de responsabilização devem demonstrar, sempre que possível, o alcance e a importância de isso de fato se efetivar e sua repercussão no equilíbrio futuro da criança ou do adolescente.
É imprescindível que as redes locais constituam alternativas para esse tipo de atendimento, especialmente no âmbito das políticas públicas da saúde, pois, em sua grande maioria, os agressores revelam transtornos de personalidade, com atitudes que indicam tratamento em saúde mental.
O CREAS poderá realizar esse atendimento desde que:
1 – Priorize o atendimento de crianças e adolescentes;
2 – Tenha efetivo de profissionais suficiente para atender tanto as
crianças e os adolescentes quanto para atender os autores de agressão
sexual;
3 – Estabeleça agenda, cronograma, que não coloque crianças e adolescentes em situação de constrangimento e risco (encontrar autores de agressão sexual no CREAS/Serviço de Proteção nos mesmos dias e horários, por exemplo).
O atendimento à vítima e ao agressor deve ser bem diferenciado, com profissionais para cada atendimento. O fato de o atendimento ocorrer no mesmo local já é um entrave, e pior seria se acontecesse em horários semelhantes; deve haver dias específicos para cada um, vítimas e agressores. Isso muda de perspectiva apenas nos centros que trabalham com psicoterapia familiar. O não cumprimento desses cuidados mínimos pode trazer constrangimento, medo e acabar
não efetivando o vínculo necessário à terapia.
CREAS, seguem abaixo, de forma sistematizada, algumas de suas
atribuições:
• “Coordenar os grupos de apoio, de orientação e de atendimento
psicológico às crianças e aos adolescentes e seus familiares”;
• “Assim, durante a semana também realizo sessões grupais, que
trabalham questões relativas a violência, conflitos, direitos, formas de
superação, entre outros”;
• Desenvolver as atividades psicossociais individuais e em grupo de
acordo com sua área de formação;
• “Atendimento individual à criança e adolescente; atendimento
individual aos pais ou responsáveis; mensalmente, atendimento em
grupos de mães e adolescentes;
• Coordenar sozinho e/ou com o assistente social os grupos de apoio
às famílias;
• “Eventualmente, também realizo oficinas para pais”;
Realizar entrevistas de revelação;
• Encaminhar os casos que necessitarem de psicoterapia para a rede
de proteção local;
• encaminhamento da família a outros serviços da rede ;
• “Falta de psicólogo na rede de saúde para desenvolver o trabalho
com as vítimas ;
• Acompanhar crianças e adolescentes nas audiências nas delegacias
e no Fórum;
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