O movimento antimanicomial, nascido no Brasil em 1987, trouxe transformações na concepção do atendimento às pessoas com transtorno mental e criou a base para a Reforma Psiquiátrica, que busca combater o modelo de tratamento hospitalocêntrico, baseado na internação. Nos últimos anos, a luta tem obtido ganhos, como o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e mudanças na forma de atendimento aos usuários da rede de saúde mental.
Entretanto, retrocessos ainda precisam ser combatidos. Um exemplo é o anúncio, pelo governo Federal, em setembro deste ano, da abertura de 6.120 leitos previstos no Plano de Enfrentamento ao crack e outras Drogas.
Desses, 2.500 serão abertos em Hospitais Gerais, 2.500 em Comunidades Terapêuticas, 600 em Centros de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS-AD) 24 horas e 520 em Casas de Acolhimento Transitório.
A IV Conferência Nacional de Saúde Mental– Intersetorial que, entre suas deliberações, votou contra o repasse de verba do Sistema Único de Saúde (SUS) para iniciativas privadas. A criação de 2.500 leitos em Comunidades Terapêuticas é contrária a tudo que foi discutido na IV CNSM. O colegiado de coordenadores de Saúde Mental apontou que essas entidades não devem fazer parte da Rede SUS, afirma, em resposta a entrevista via e-mail.
As secretarias municipais de saúde são responsáveis pela indicação de leitos em comunidades terapêuticas, que devem ser habilitados para financiamento pelo SUS, segundo as condições do edital do plano.
A fiscalização, o monitoramento, a avaliação e a auditoria dos leitos em Comunidades Terapêuticas serão feitas, pela gestão local de saúde, apoiada pelo ministério e pela Secretaria Nacional sobre Drogas (Senad).
A fiscalização será realizada com base em norma da Anvisa que define condições mínimas de funcionamento dessas entidades.
É a primeira vez que municípios receberão recursos para habilitação de leitos em Comunidades Terapêuticas, iniciativas do terceiro setor ou de igrejas, que visam à recuperação e à reinserção social dos usuários de drogas.
O texto do edital do plano aponta que o paciente não pode ser obrigado a participar de atividades de cunho religioso durante o período de acolhimento.
Destaca -se a gravidade de se reconhecer um dispositivo de tratamento que, como o próprio ministério coloca, não faz parte do SUS.
As deliberações da IV CNSM, que, além de votar contra o repasse de verbas do SUS para Comunidades Terapêuticas, aprovou que todo o tratamento de usuários de álcool e de outras drogas esteja de acordo com os princípios da Reforma Psiquiátrica.
O financiamento dos leitos em comunidades terapêuticas pode colocar em risco a implementação de uma rede de atenção para usuários de álcool e de outras drogas pautada pelos princípios do SUS, da redução de danos e da reforma psiquiátrica.
Mais do que a oferta de leitos, oferta-se a possibilidade, no campo de álcool e outras drogas, de afirmação de concepções e propostas de assistência que mais contribuem para a segregação dos usuários.
O fenômeno do crack coloca em xeque, permanentemente,a efetividade das políticas públicas de atenção integral à saúde mental e nos coloca o desafio de acolher o sofrimento dos usuários em dispositivos de cuidados que não os excluam do meio social.
O Ministério da Saúde estima que existam 600 mil dependentes de Crack no Brasil.
Para o órgão, o fenômeno de uso de crack implica numa grande heterogeneidade, de acordo com o perfil do usuário e contexto de uso, além de apresentar desdobramentos clínicos e psiquiátricos.
Por isso existe a necessidade de uma rede diversificada de atendimento, com diferentes
dispositivos articulados entre si, complementares e de funcionamento coordenado. Assim, um mesmo usuário de crack pode, em determinado período, necessitar ser atendido diariamente em um CAPS e, em outro instante, necessitar de internação em hospital geral por apresentar alguma complicação decorrente do uso de drogas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário