É clichê, mas é verdade: não podemos fugir ou evitar a morte e,
consequentemente, o luto. Mas será que estamos preparados para lidar com as
emoções que as perdas provocam?
A professora Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre
a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), assinala
uma tendência, típica da sociedade contemporânea, que é a de abafar o luto e
“tocar em frente”.
Hoje, só as mortes espetaculares como a do popstar Michael Jackson são
admitidas; as outras são anônimas e geram um problema: como manejar a tristeza.
Segundo Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, na atualidade, a morte está perdendo seu
lugar. “E, se a morte está sendo ‘expulsa’, como lidar com o luto?”,
questiona.
Roland Barthes, semiólogo e filósofo francês, amava e mantinha uma relação
estreita com a mãe. Quando ela morreu, ele buscou confortar-se escrevendo sobre
uma foto da mãe quando criança. Para ele, esta foi a forma de compreender aquela
mulher e os seus sentimentos por ela. Barthes viveu seu luto e o registrou em “A
Câmara Clara”. Não é preciso escrever um livro sobre seu sofrimento, mas é
necessário vivenciá-lo.
Pequenos lutos
Na atualidade, a
morte está perdendo seu lugar. E, se a morte está sendo 'expulsa', como lidar
com o luto?
Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
De acordo com Torres de Melo, sofremos pequenas perdas durante toda a vida e,
mesmo as grandes e sofridas, seriam comumente precedidas de outras menores. Um
exemplo é a angústia gerada pela percepção do envelhecimento dos pais, que
sabemos, um dia vão nos deixar.
MedoNão é novidade que temos medo e dificuldade em lidar com a morte, ela é misteriosa e foi vista por inúmeras lentes, como as do realismo fantástico do autor norte-americano H.P. Lovecraft. Para o escritor, escolhido como exemplo pelo professor Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional, o medo é a mais poderosa e antiga emoção humana e o desconhecido, o desencadeador do medo mais profundo.
Tememos a morte, mas quando ela chega, não há escolhas, e a intensidade do luto depende da força da relação, dos sentimentos envolvidos, das expectativas nutridas. Assim, esclarece Maria Júlia Kovács, apesar de universal, cada um reage à sua maneira, mais penosa ou apaziguada, às perdas.
Fases
Se dê o direito de
sofrer, mas não morra junto
Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional
Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional
Porém, o que importa, concordam Kovács e Torres de Melo, é que o luto seja vivenciado. Por sua vez, Mussak procura pensar da seguinte forma: “Se dê o direito de sofrer, mas não morra junto”.
Como enfrentar
Não fique só! É o primeiro conselho. “As perdas, muitas vezes, não podem ser evitadas, mas a solidão, sim. A solidariedade e o conforto mitigam a dor”, ensina Torres de Melo.
Uma fórmula “caseira” usada por Torres de Melo para “tentar se preparar” para as perdas é derrubar a ilusão de posse em relação às coisas e às pessoas. Mas quando não há mais para onde correr, o professor defende: “No luto é muito importante que se promova uma catarse de sentimentos: chore o quanto precisar chorar, viva intensamente esse momento e compreenda o que está sentindo, incluindo as emoções que gravitam no ‘entorno’, como culpa, expectativa, fantasias e arrependimentos, que não mais poderão ser resolvidas”.
Em consenso com essa receita, Mussak argumenta que, de certa forma, nós só aprendemos a lidar com a morte (a nossa própria e a do outro), quando entendemos que ela faz parte do ciclo da vida. “O ciclo maior da vida é composto por outros menores, como a infância. Conseguimos fechar bem o grande ciclo, se os pequenos foram bem fechados.” Para ele, não aproveitar a vida é “morrer antes de morrer”.
Ajuda
Luto não é doença, mas nem sempre é possível viver essa fase sem auxílio profissional e especializado. A professora Kovács salienta que a primeira razão para alguém procurar ajuda especializada é a manifestação pessoal desse desejo.
Penso que a dor é
proporcional ao espaço que a pessoa que morreu ocupava em nossa vida
Rubens Kutner, que perdeu a mãe em 2008
Rubens Kutner, que perdeu a mãe em 2008
“Minha mãe era uma mulher otimista, o ‘esteio emocional da família’. Penso que a dor é proporcional ao espaço que a pessoa ocupava em nossa vida”, disse Kutner. Para ele, ver a mãe mais frágil foi difícil, mas enfrentar a morte foi ainda mais.
O rapaz não pode dividir aquilo que sentia com pessoas próximas, então decidiu, por conta própria, procurar auxílio especializado. Hoje, fala no assunto com paz na voz. Ele mostrou fotos à reportagem do UOL, disse que os objetos da mãe ainda estão presentes na casa e que, por vezes, sente-se saudoso e triste, mas que está feliz na maior parte do tempo. Por fim, confessou que ter feito o máximo em vida por sua mãe lhe trouxe certo alento na hora da morte.
Casos como o de Kutner não são tão numerosos, então quem está próximo sempre pode indicar ou orientar essa busca quando percebe que o sofrimento do enlutado é muito intenso ou há risco de adoecimento físico ou psíquico. Ou seja, observe.
Algumas ações como ir muito ao cemitério, olhar muito para fotos e falar
demais na pessoa precisam ser acompanhadas, mas em alguns casos são apenas
formas que o enlutado usa para lidar com aquela situação. Essas ações não podem,
porém, impedir novas relações, sentimentos, atividades e vontades.
Ao lado, sempre
Talvez o luto nunca se dissolva completamente. Talvez ele apenas fique mais ameno, mais ameno e, de repente, se torne uma saudade e uma tristeza temporárias. Mas nos primeiros reveses desta experiência dolorida, aquele que perdeu precisa de carinho e apoio.
Talvez o luto nunca se dissolva completamente. Talvez ele apenas fique mais ameno, mais ameno e, de repente, se torne uma saudade e uma tristeza temporárias. Mas nos primeiros reveses desta experiência dolorida, aquele que perdeu precisa de carinho e apoio.
Para quem está próximo, a melhor atitude é estar presente, orientam Kovács e
Torres de Melo. “Estar disponível às necessidades do outro e não ao que achamos
que são essas necessidades”, explica a professora. Então, ouça, abrace, não
necessariamente fale, esteja disposto a resolver problemas de ordem prática e
simples. Esse tipo de atitude conforta e não condena o sofrimento do
outro.
Fonte: Folha de São Paulo
Fonte: Folha de São Paulo
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