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Com foco no universo dessas
redes sociais que não param de crescer, a professora e coordenadora de
Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane
Henriques Costa, desenvolveu o projeto "P@r Perfeito – Exploração do
universo virtual e das novas estratégias narrativas em mídias digitais".
O estudo faz uso do método denominado netnografia, como tem sido
chamado o ramo da etnografia que analisa o comportamento de indivíduos
na internet e que consiste na inserção do pesquisador no ambiente do
grupo investigado e exige uma combinação imersiva entre participação e
observação cultural com relação às comunidades pesquisadas. O
pesquisador deve ser reconhecido como um membro da cultura estudada.
Para realizar um
levantamento abrangente deste universo, a pesquisadora infiltrou 25
alunos da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ com perfis falsos entre os
mais diversos sites de paquera. O objetivo é fazer uma grande reportagem sobre a busca do amor no universo virtual. "Por
ser um campo relativamente novo, é possível perceber o desenvolvimento
de uma linguagem própria, o tipo de discurso, quase sempre
autoenaltecedor por parte do locutor, a grande importância da imagem.
Tudo isso se torna objeto de estudo. Pensar netnograficamente é
entender como o discurso humano se comporta na cibercultura e nas
comunidades virtuais, e as diversas possibilidades proporcionadas pela
rede", explica a pesquisadora. O projeto tem apoio da FAPERJ por meio
do programa de Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1).
Além de se passar por pessoas interessadas em relacionamentos nos mais diversos sites de
paquera, a equipe também analisa os perfis e as fotos dos usuários.
"Nem tudo pode ser levado ao pé da letra", adverte Cristiane. "Notamos
que praticamente 100% das pessoas não fumam. Entre os homens, 80% dizem
gostar de música clássica e artes plásticas e mais de 60% praticam
esportes náuticos. Claro que isso não corresponde à verdade", assinala a
pesquisadora. “São estratégias de sedução, para fugir aos filtros que
os sites criam. Muitos usuários nem querem ter contato com quem fuma ou não gosta de artes, por exemplo.”
Existem sites de
paquera para todos os gostos e preferências. Há os especializados em
pessoas acima do peso, os só para amantes e até para aqueles com uma
certa queda para o egoísmo têm um lugar na internet para encontrar sua
cara-metade, como conta Cristiane. O site em questão é o
Attlasphere, criado por fãs da escritora e dramaturga Ayn Rand, cujas
obras pregam o individualismo, o egoísmo racional e o capitalismo (o
nome é baseado na obra da autora, Atlas Shrugged). E quem está disposto a "pular a cerca", também pode se utilizar das facilidades da rede. O site
Second Love é especializado em pessoas que já estejam em um
relacionamento, mas querem conhecer outras também comprometidas, para
dar um novo rumo à relação que vivenciam ou apenas para uma aventura
virtual: ali, a infidelidade é declarada.
Amor e religião:
"O primeiro passo é orar; o segundo, procurar". Com este slogan, o site
Amor em Cristo é voltado somente para os evangélicos. Nesse caso,
parece que, além da ajuda das probabilidades, os adeptos parecem contar
com uma força extra: a fé. O esquema parece estar funcionando muito bem:
logo na entrada, é possível a qualquer visitante verificar os
depoimentos de casais felizes que se formaram ali. "Uma das grandes
particularidades deste site é que os evangélicos não entram nestes sites apenas para arrumar namorados: o objetivo é casar", conta a pesquisadora.
De acordo com Cristiane, os
resultados têm sido muito ricos e satisfatórios. "As aulas têm sido
bastante divertidas e toda a equipe está muito envolvida. Temos
descoberto muitas informações novas e até quebrado alguns paradigmas",
declara. Um deles, de acordo com a pesquisadora, é que na internet, o
amor não tem idade. Como conta Cristiane, um aluno de 20 anos que está
se passando por uma senhora de 60 já tem mais de dois pretendentes no site
Broto Bacana. Voltado para pessoas com mais de 40 anos se relacionarem
na rede, está sendo um grande sucesso. De acordo com Cristiane, os
resultados da pesquisa até agora têm sido surpreendentes. “Toda a equipe
está envolvida e se diverte muito. Temos descoberto sites que nunca imaginamos e até desfeito alguns preconceitos”, declara. “Os sites
de paquera virtual ainda são vistos como um lugar de gente feia,
esquisita e solitária. Temos constatado que isso não é
verdade. Lógico que é preciso tomar cuidado para não cair em cilada,
mas a rede é um lugar tão ou mais produtivo para se relacionar quanto
uma festa ou uma boate”. Em geral, os próprios sites aconselham
os usuários sobre como postar as melhores fotos, como se comportar e
até como se precaver de perigos antes de se encontrar com estranhos.
As experiências dos estudantes nos sites
de paquera estão sendo registradas em um diário de campo e em
reportagens tradicionais, que serão publicadas no Jornal Laboratório da
ECO. Boa parte já está pronta e pode ser acompanhada no blog do projeto.
O resultado da pesquisa não será um livro tradicional, em papel. O
trabalho será publicado um site e um aplicativo para tablets,
como o iPad, para que o leitor não familiarizado com este universo
possa visualizar as páginas da internet e acompanhar o trajeto dos
infiltrados e suas conversas com usuários (que terão suas identidades
protegidas). “É uma reportagem de imersão. Queremos dar a visão mais
realista possível deste universo virtual, baseada não na ideia da
representação, mas da simulação, como se o próprio leitor mergulhasse
neste mundo paralelo”, explica a pesquisadora.
Fonte: FAPERJ
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