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quarta-feira, 14 de novembro de 2007

As Implicações geradas da expectativa de um casamento feliz

O casamento, apesar das várias transformações culturais e psicológicas da sociedade contemporânea, é um momento desejado por muitos. As mulheres em especial, costumam nutrir a fantasia de um encontro com um “príncipe encantado” que as desposará para viverem uma vida de contos de fada, em que serão “felizes para sempre”.
Essa ideia de que os casamentos constituem-se principalmente de felicidade é bastante complexa e gera expectativas que têm um forte peso no relacionamento do casal e no desenvolvimento psicológico dos cônjuges após as núpcias.
O que pode estar na base social e psicológica desse desejo e entusiasmo feminino por casar? Por que há uma idealização do casamento como um tempo de alegria e satisfação total de anseios? Objetivamos fazer algumas considerações acerca dessas questões, abordando possíveis implicações para a mulher que vivencia essa expectativa em seu caminho de individuação.
A sociedade patriarcal e as mulheres.Observamos em nossa sociedade patriarcal um movimento que prima pelo desenvolvimento exagerado de aspectos masculinos em detrimento dos femininos.
Assim,a objetividade a percepção,o pensamento, a iniciativa e a luta heroica são extremamente valorizados.
Já a intuição,o sentimento, a sensibilidade, a criatividade, a receptividade e o esforço paciente são aspectos geralmente relegados a um segundo plano, sendo mal compreendidos e utilizados de modo inadequado ou tendencioso.
Com a negação de algumas facetas do feminino,elas assumiram o papel que lhes foi dado, ou seja, adaptaram-se ao mundo dos homens, assimilando e desenvolvendo valores tipicamente masculinos.

A mulher cristã deve possuir as virtudes de Maria, a mãe de Jesus. E quais são esses atributos? Maria é obediente, pura e virginal, ou seja, é tão casta que concebeu sem o intercurso sexual, de modo imaculado. A mulher cristã, seguindo como pode o exemplo de Maria, só é autorizada à relação sexual com fins de reprodução da espécie, isto é, o sexo é santificado se estiver a serviço da procriação, livre de desejos da carne e dentro de um clima de castidade.
A maternidade, nessas condições, também é valorizada pelo patriarcado. A “mulher-Maria” é incapaz de lidar com aspectos do mundo prático e lógico, mostrando-se inábil para a competição do mundo masculino. 

No entanto,há o perigo das mulheres incorporarem totalmente essas características cultuadas por essa sociedade patriarcal,assumindo a identidade de um ser puro, frágil, desprotegido, incapaz de auto-suficiência, que precisa que o homem a ampare, a mulher cria para si mesma uma castração psíquica, que a alienará do mundo e a tornará realmente frágil e dependente, escondendo o seu real potencial.
O valor da mulher é dado por sua submissão, ou não, a essa imagem fabricada de acordo com os desejos de controle patriarcal do feminino.
O casamento na sociedade patriarcal ,associado ao modelo cristão de mulher, está o modelo cristão da família feliz, composto por Maria, José e Jesus, sempre retratados sob uma áurea de harmonia, paz e amor mútuo.

Constituir, através do casamento, essa família cristã feliz, é uma das missões que a mulher herdou do patriarcado. É seu dever sustentar seu casamento a qualquer preço, negando, se for necessário, o que lhe é importante.
 Muitas mulheres querem corresponder a essas expectativas da sociedade patriarcal em nome de uma ilusória e passageira sensação de bem-estar, segurança e aprovação. Por conta disso, vários casais aparentam ter um bom casamento, mas de fato, vivem uma paralisação do crescimento de um dos parceiros (ou de ambos).
Quando um cônjuge só se expressa em função do outro, se explica como reação ao outro, é sinal que o vínculo se distorceu para o lado da definição em função do outro e se tornou sufocante e paralisante e o casamento uma não-vida.

Todo ser humano caminha naturalmente em direção a uma individuação, processo de manifestação, na vida, do potencial inato e congênito da pessoa.
Esse movimento se dá através da busca de um indivíduo para achar seu próprio sentido e seu destino de vida.

 Essa busca é variada, mas sempre cheia de confrontos com sofrimentos e mortes simbólicas.A idéia reproduzida culturalmente de que o casamento é uma instituição feliz entra em choque com esses caminhos, pois não levam em consideração as necessidades de amadurecimento psíquico dos cônjuges.
O casamento tradicional, estruturado pelo patriarcado, que atribui papéis aos cônjuges sem considerar suas individualidades, deve ser criativamente renovado ou haverá um risco de regressão caótica nos relacionamentos conjugais. 

Um casamento não é confortável e harmonioso; antes é um lugar de individuação onde uma pessoa entre em atrito consigo mesma e com um parceiro, choca-se com ele no amor e na rejeição e desta forma aprende a conhecer a si próprio, o mundo, bem e mal, as alturas e as profundezas.
No casamento, a confrontação, regada de sofrimento, ódio, frustração, etc., é natural e saudável. A falta de oposições paralisa o desenvolvimento psicológico de cada um dos cônjuges e pode reduzir a relação conjugal ao seu componente de amizade e solidariedade. Muitos casamentos não dão certo porque os casais, apegando-se à idéia de “bem-estar” conjugal como última ordem, reprimem e excluem suas características mais importantes e essenciais sem perceber que quanto mais conflitos existirem.

Se quiser individuar através do casamento, precisa desfazer-se de suas fantasias de que depois da lua-de-mel, sua vida será maravilhosa e confrontar-se com a realidade de que ela é responsável pelo seu próprio caminhar e que encontrará muitos confrontos nesse percurso. Um aprofundamento da questão.
Ao tratar da questão do casamento, Jung (1981, p.195) lembra que, “Sempre que tratamos do relacionamento psíquico, pressupomos a consciência. Não existe nenhum relacionamento psíquico entre dois seres humanos se ambos se encontrarem em estado inconsciente”. Ele admite, no entanto, que há uma certa inconsciência parcial que não pode ser desconsiderada, pois é impossível se conhecer todo o inconsciente.

Quando uma mulher projeta em um homem seu animus, ocorre a paixão pelo parceiro ideal. Esse homem tem aparência de um Deus e a mulher, encantada, vai sendo seduzida por suas próprias fantasias românticas de que encontrou uma pessoa que vai realizar seus desejos, preencher seus anseios, proporcionar-lhe a verdadeira e infinita felicidade.
No momento da paixão, tudo é felicidade e se espera que ela seja eterna.Até quando uma pessoa puder corresponder a uma imagem projetada, não haverá propriamente um conflito. No entanto, esse estado idealizado e “lindo” precisa ser confrontado com a realidade e há que se realizar “a diferenciação entre a imagem interna e a pessoa externa” (Jung, 2003, p.25).

É por isso que as primeiras tentativas de resolver a questão são, geralmente, através de um esforço por enganar a si mesmo e fingir não ver o que está acontecendo (Jung, 2003), porém, para um casamento como caminho de individuação, é preciso maturidade para realizar o sacrifício da ilusão projetiva e, assim, tentar integrar seu animus à consciência. 
O desenvolvimento do vínculo conjugal dependerá da capacidade dos indivíduos de lidar com a frustração com que se deparam quando a imagem idealizada não corresponde mais ao comportamento do outro; e também dependerá da condição psicológica dos parceiros para reestruturarem o vínculo em bases mais reais.

Experimenta-se a sensação de liberdade ao se explorar a profundidade do próprio e verdadeiro ser quando se está ligado a alguém a quem se ama, o que estimula o desenvolvimento e a criatividade”. A mulher que deseja viver um bom casamento deve desvencilhar-se da expectativa do casamento de contos de fada e vivê-lo como um meio de individuação. Para tanto, precisa se libertar externa e internamente.
Ela deve procurar outras possibilidades de vida que não a previamente dada pela sociedade patriarcal. Deve também, reconhecer e integrar aspectos de seu inconsciente, o que só será possível através de dolorosas renúncias das suas fantasias infantis. Esse movimento não acontecerá de uma única vez, mas permeará todo o período do matrimônio, pois o caminho de auto-conhecimento é infinito; é uma constante busca.

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